Designers Reclusos – Redefinindo o Sucesso na Era da Internet

Essays by Peter Biľak
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Portuguese
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Em se tratando do design de fontes para Bengali – o idioma oficial de Bangladesh e o segundo idioma mais falado na Índia (com um total de 260 milhões de falantes) –, muitos diriam que Jyotish Sonowal é o melhor. Satya Rajpurohit da Indian Type Foundry, onde Sonowal trabalhou por quatro anos, chama-o de “extremamente talentoso”. Seu ex-colega Shiva Nallaperumal diz que Tulika, a primeira fonte do Sonowal, é “provavelmente a melhor fonte Bengali já criada”. Sonowal alcançou o que muitos apenas sonham, e é regularmente contactado por pessoas e empresas que desejam que ele crie novas fontes Bengali – porém ele perdeu o interesse pelo design de tipos e recusa convites para eventos nesta área, optando por explorar outros campos do design. Nallaperumal recorda-se dele como uma pessoa muito reservada e, embora os dois vivam em Mumbai, eles nunca se vêem.

Gustavo Ferreira estudou design primeiramente no Brasil, seu país natal, depois na Alemanha, e obteve seu mestrado em design de tipos na Holanda. Deu palestras em simpósios internacionais e publicou fontes altamente inovadoras, como seu sistema bitmap paramétrico Elementar, antes de retornar ao Brasil e se estabelecer em uma cidade pequena e remota. Ferreira ainda trabalha com design de tipos e programação, mas parou de participar de conferências de design e deletou suas contas no Twitter e no Facebook. Ele declinou a discutir suas razões para isso, dizendo apenas que foi um processo de renascimento no qual ele aprendeu a seguir seu coração.

Carol Twombly e Robert Slimbach estiveram entre os primeiros designers de tipos digitais. Eles foram contratados pela Adobe, onde trabalharam na criação da popular coleção de fontes Adobe Originals. Em 1994, Twombly – a designer de Trajan, Charlemagne, Lithos e Adobe Caslon – recebeu o Prix Charles Peignot, um prêmio concedido pela ATypI a um “designer com menos de 35 anos que fez uma contribuição notável para o design de tipos”. Em 1999, ela se aposentou da Adobe e partiu para morar nas montanhas e se concentrar em seus projetos de artes plásticas. Slimbach – o designer de Adobe Garamond, Adobe Jenson, Minion e Warnock – recebeu o Prix Charles Peignot em 1991, e seu discurso de aceitação do prêmio foi sua primeira e última palestra pública. David Lemon, que era seu diretor na época, lembra-se que ele recusou muitos convites para apresentar-se ou participar de conferências, dizendo que “queria que seus projetos falassem por si”. Slimbach ainda está com a Adobe, mas trabalha de sua casa na zona rural de Oregon, onde não precisa lidar com as distrações do ambiente de escritório. Ele não possui um site pessoal nem usa qualquer plataforma de mídia social. ‘O fato dele não ter certeza de que a raça humana é uma contribuição positiva para o universo, e suspeitar que não estaremos aqui por muito mais tempo, também não ajuda’, acrescenta Lemon.

Em uma época em que tudo e todos parecem estar interconectados, muitas pessoas medem seu sucesso pessoal e profissional em curtidas, compartilhamentos, retuítes e seguidores. A internet e as redes sociais acenam para nós com a promessa idealista de estabelecer conectividade e inclusão sem precedentes. O Facebook foi lançado com o que parecia ser uma declaração de missão louvável: ‘dar às pessoas o poder de compartilhar e tornar o mundo mais aberto e conectado’. Contra esse pano de fundo, Sonowal, Ferreira, Twombly e Slimbach aparentam ser reclusos da era da informação.

Talvez tenha algo a ver com o design de tipos em si, que tende a oferecer mais autonomia do que outras disciplinas do design. Enquanto os designers de comunicação estão familiarizados até demais com o ciclo interminável de iteração, apresentação, teste com usuários, avaliação de grupos de foco, feedback do cliente e iteração adicional, os designers de tipos trabalham em grande parte sozinhos e em seus próprios projetos, isolados das restrições de briefings do cliente, críticas e prazos. A própria natureza do design de tipos pode atrair pessoas introvertidas, oferecendo um refúgio onde elas podem se concentrar mais na criação e menos no estresse e na interferência externa típicas de campos mais colaborativos. Ou talvez o design de tipos ofereça mais oportunidades para que designers introvertidos e reclusos se destaquem e sejam notados sem que sejam excelentes em networking e autopromoção.

Claro, nem todo mundo foge das mídias sociais, e muitos artistas são capazes de usar uma variedade de plataformas para se conectar com audiências, construir uma base de clientes e atingir um público mais amplo. Para Masanao Hirayama, que agora tem mais de 70.000 seguidores no Instagram e uma presença online maciça, a internet oferece uma maneira de dar às pessoas acesso aos seus íntimos desenhos em preto e branco, embora pessoalmente ele seja profundamente antissocial e nem um pouco extrovertido.

Para profissionais criativos que estão começando em suas carreiras, essas conexões podem ser uma maneira útil de abrir as portas para um público internacional. O outro lado da moeda, no entanto, é que elas também abrem as portas para a crítica e a competição internacionais; além do que, a manutenção de uma presença online em si pode se tornar uma ocupação em tempo integral: o trabalho de relações públicas que tem que ser feito em cima do trabalho de design. Uma jovem designer de Nova York, que preferiu não ter seu nome revelado, achava essa pressão implacável. ‘Eu passava 14 horas na frente do computador, trabalhando em prazos apertados, mas ao invés de ir para casa relaxar, esperava-se que eu fosse a todos os eventos da cidade para mostrar meu rosto e fazer networking na esperança do próximo projeto.’ Por fim, ela fechou a empresa e ingressou em uma grande agência, onde poderia dedicar sua energia ao trabalho de design em vez de às tarefas administrativas e de marketing que o acompanham.

Para muitas pessoas, a questão fundamental é: até que ponto o reconhecimento público é uma medida de sucesso? Esta é uma pergunta complexa e a resposta não será a mesma para todos. Por um lado, nem todo mundo tem o mesmo apetite por fama, e há muitos designers que nunca inscreveram um trabalho seu para concorrer a nenhum prêmio. Identificar concursos, preparar e enviar portfólios e acompanhar os resultados exige uma quantidade significativa de tempo, pesquisa, recursos e dedicação. Por outro lado, a publicidade resultante pode certamente facilitar a captação de recursos, garantir contratos interessantes e, por fim, compartilhar uma visão com o público.

Ganhar um prêmio garante algum tipo de qualidade? Na maioria dos casos, provavelmente sim. Mas o alcance global da internet nos lembra a considerar palavras como “melhor”, “primeiro” e “maior” com cautela. É fácil ver a palavra "melhor" e entendê-la como significando “melhor do mundo”, quando seria mais preciso dizer “melhor entre as inscrições para este concurso”. E porque o design é um empreendimento subjetivo, é ainda mais preciso dizer “o melhor entre os inscritos neste concurso, conforme decidido por esses jurados”. No entanto, os concursos de design são úteis para apresentar projetos e designers, não apenas para a comunidade de design, mas também para o público em geral, aumentando o reconhecimento tanto das novas vozes como também das já estabelecidas.

Nem todos os designers concordariam, no entanto. Mihajlo Arsovski é sem dúvida uma das figuras mais importantes do design gráfico croata. Sua obra, que inclui cartazes, convites, interiores, cenários e figurinos de teatro, faz parte do acervo permanente do MoMA de Nova York e adquiriu um status quase mítico em seu país. Apesar de ter sido um pioneiro prolífico do design total na Europa Central, desenvolvendo um estilo visual altamente pessoal e eclético que pressagiava muitas tendências que ainda estavam por vir, muito pouco foi escrito sobre ele, talvez em grande parte devido à sua recusa persistente em dar entrevistas.

Quando a Sociedade Croata de Designers organizou uma exposição retrospectiva do trabalho de Arsovski em 2008, o mesmo respondeu que não a queria nem tinha qualquer interesse nela. Ele também não se importou em receber da sociedade o prêmio Lifetime Achievement Award pelo conjunto de sua obra. Seu trabalho é atualmente o tema de outra grande retrospectiva em Zagreb, outra exposição à qual ele se recusou a comparecer.

Arsovski exhibition zagreb

Exposição no HDD Zagreb de livros e periódicos projetados por Mihajlo Arsovski, 2019

Talvez Arsovski represente a ponta extrema do espectro, mas, na preparação para este artigo, conversei com dezenas de designers que são bons no que fazem e são apaixonados por seu trabalho, mas que relutam em seguir o percurso tradicional para uma noção tradicional de “sucesso”: inscrever projetos em concursos, enviar comunicados de imprensa para revistas, propor apresentações em conferências, manter blogs... Eles ficaram desiludidos com o uso das mídias sociais e não sentem-se confortáveis ​​em participar de eventos de networking, distribuindo seus cartões de visita na esperança de fazer algumas conexões de trabalho. “Eu vi como a salsicha é feita”, diz Christopher Simmons, um designer reconhecido internacionalmente, e um frequente jurado e palestrante sobre questões de design. ‘Depois de julgar quase todos os grandes prêmios, falar na maioria das grandes conferências, escrever livros, ensinar, ganhar (e perder) concursos de design, ganhar seguidores “cult” em projetos paralelos, ser entrevistado em importantes podcasts de design, no NY Times, no noticiário noturno da CBS, etc., etc., blá, blá, tudo isso somado é igual a quase nada fora da pequena bolha do design. Você se sente especial e importante quando está recebendo toda essa atenção, mas pra quê? No final do dia, é tudo apenas auto-engrandecimento. A sociedade de hoje é obsessivamente egocêntrica. Quanto mais participo disso, mais sinto que estou destruindo cultura ao invés de criando, e não foi pra isso que eu entrei no design’, elaborou. ‘Agora eu não faço nenhuma dessas coisas e trabalho sozinho em uma sala toda escura.’

Em vez de esforçarem-se para conquistar sua parcela da atenção do público, as pessoas com quem falei parecem estar mais interessadas em redefinir completamente o significado do sucesso. Em vez de medir suas carreiras em termos de prêmios ganhos, exposições inauguradas, clientes conquistados, funcionários contratados e dinheiro investido, eles optam por concentrar-se no desenvolvimento pessoal. Em vez de construir redes sociais online, eles aprofundam suas conexões com suas famílias, amigos e parceiros de confiança. Diante dessa tendência, talvez seja preciso que as publicações tradicionais do ofício encontrem alternativas para o modelo atual, que recompensa os indivíduos mais barulhentos e persistentes e perpetua os estereótipos de sucesso no design, construindo, ao invés disso, um reflexo mais preciso do design, do campo do design e do impacto do design. Muitos designers decidiram dar um passo atrás, simplificar suas vidas e se lembrar da razão pela qual escolheram fazer isso. Qualquer que seja a sua definição de sucesso, é muito melhor descobri-la no início de sua carreira do que no final.

Correção: 20 de Abril, 2021
A última apresentação pública de Robert Slimbach foi na ATypI Roma em 2002, e não em 1991.

Publicado pela primeira vez em DAMN No.74, em 2019. Traduzido por Gustavo Ferreira em 2021